Dar valor ao que é de graça

Histórias:
1) Muitas pessoas têm alguma resistência em concordar com fazer caridade. Uma justificativa muito comum que elas usam para não doar é que quem recebe algo de graça não dá o devido valor e acaba desperdiçando. Como a maioria das opiniões do senso comum, esta não está completamente fora da verdade. De fato, não é difícil para ninguém pensar em uma história pessoal de alguém que não dá valor a algo que ganhou de graça. Um exemplo banal seriam crianças mimadas que não dão o devido valor ao que ganham. Um exemplo político seria dos sem-terra que vendem as terras que recebem na reforma agrária. O exemplo da caridade são pescadores que usam o mosquiteiro antimalária como rede de pesca.

2) Por outro lado, como também é habitual no caso do senso comum, existe uma posição contrária que também tem uma racionalização que pode ser facilmente corroborada por algumas histórias. Trata-se de acusar quem paga por algo de falta de responsabilidade relativamente ao que comprou. Desta perspectiva, quem paga é que não se importa com o que comprou, como se o pagar lhe desse o direito de fazer o que quisesse com isso. Um exemplo banal seria do pai que paga escola, babá e aula particular para não se ocupar da educação do seu filho. A versão política seria o fazendeiro que se vê no direito de não fazer nada com a sua terra, ou desmatá-la toda, porque pagou por ela. O caso da malária seria quem comprou a rede alegar que pode usá-la para pescar, pois faz o que quiser com aquilo que comprou.

A primeira questão a ser resolvida, em ambos os casos, é verificar se o dinheiro é mesmo o motivador de alguma destas atitudes, ou se é apenas a maneira que quem vê de fora usa para entender o que vê. Para isso, vamos ver se temos alguma evidência de que pagar por algo muda nosso comportamento.

Experimentos controlados
1) Num exemplo, houve um experimento em que um grupo de pessoas pagavam $2.50 por cápsula de Veladona e outro grupo pagava $0.10. Nos dois casos se tratava de um placebo para alívio de dor, mas só no grupo que pagou o preço baixo houve pessoas que negaram que o tratamento tivesse efeito (50% dos participantes).

2) Confirmando o caso oposto, outra investigação (.pdf) observou que os pais que deveriam buscar os filhos na porta da escola, após se ter estabelecido uma multa por cada minuto de atraso, estes, em vez de se atrasarem menos, passaram a se atrasar mais. Deste modo, parece que eles se sentiriam como compradores de irresponsabilidade. Confirma-se assim que o ato de pagar tem sim uma tendência a tirar o comprometimento 'moral' de uma relação.

Portanto, há evidências de que pagar por algo muda mesmo a nossa relação com essas coisas. E mais, a mudança, dependendo da situação, vai nos dois sentidos, a saber, o de valorizar mais aquilo que se pagou e o de achar que pode se desprezar aquilo que se pagou. Não há um problema inerente em atestar os dois casos. O ser humano é complexo e incoerente, logo, nada impede que ambas as posições tenham um pouco de verdade. Em vista disso, podemos aventar soluções embasadas em cada tipo de situação, que, se aplicadas corretamente, solucionariam o problema.

Soluções
Se este for o caso, 1) remete a uma solução monetária. Para fazer as pessoas valorizarem o que lhes for dado, basta cobrar uma taxa, ainda que seja simbólica.
Já 2) seria solucionado estipulando uma punição que não pode ser paga em dinheiro pela falta de responsabilidade com o que lhe pertence.

Experimento de campo
Um experimento no âmbito da ajuda humanitária confirma o fracasso destas soluções. O IPA fez uma pesquisa para ver que caso geraria o maior uso de mosquiteiros antimalária. Para tanto, separaram três regiões similares e aplicaram três políticas diferentes. Em uma, eles doaram os mosquiteiros, em outra cobraram um preço módico subsidiado e, por fim, cobraram o preço de mercado. Os resultados mostraram que a região na qual os mosquiteiros foram doados foi aonde o uso foi maior.

Seria interessante saber se os mosquiteiros comprados a preço módico ou real não foram mais usados para outros fins do que os doados. Mas, para contemplar o ponto de vista de quem defende que pagar leva a mais comprometimento, vamos supor que quando se paga pela rede, o uso diminui em quantidade, mas aumenta em qualidade. Ou seja, 100% das redes compradas são usadas como mosquiteiro enquanto apenas 80% das doadas são usadas corretamente.

Escalonar
Há quem argumente que nem o uso 'incorreto' é problemático já que, como um pescador disse, 'é melhor morrer de malária do que de fome'. Porém, no caso de uma doença epidêmica e de uma política pública de distribuição de redes deve-se considerar que quem não usa a rede não está só se prejudicando, mas prejudicando toda comunidade. Isso porque se ele contrai a doença, outros mosquitos que não tinham o vírus podem picá-lo, pegar o vírus e transmiti-lo a outras pessoas. Nessa situação não importam as exceções, quanto mais pessoas usarem as redes, melhor. 80% de redes doadas bem usadas significa, em absoluto, mais pessoas dormindo protegidas do que as 100% bem usadas das compradas. Por isso, nessa situação, não há opção melhor do que distribuir gratuitamente.

Não haver outra opção melhor não quer dizer que não dá pra melhorar a opção. Se for para resolver o problema do uso inadequado, a pior intervenção seria cobrar algo pela rede em busca de qualidade contra quantidade, mas podem haver outros meios de se aproximar do 100% de uso. Um outro estudo feito com portadores do HIV em regiões onde a malária é endêmica conseguiu com educação sobre a malária e acompanhamento reduzir em três meses o número de infectados com malária de 60% para 3%.

Um ponto fraco é que este estudo ofereceu educação e acompanhamento, de modo que não há como saber se apenas a educação ou apenas o acompanhamento seriam suficientes para resolver o problema. De qualquer forma parece seguro estabelecer que:

Conclusão
Receber algo de graça diminui a valorização que se dá ao recebido, porém, aumenta o uso do recebido em uma porcentagem bem maior do que a diminuição de valorização. Deste modo, principalmente em casos em que o benefício vai além de quem recebe o bem, se justifica uma política de distribuição gratuita.

Ampliar
Os testes em laboratório como aqueles de Ariely têm a pretensão de capturar algo da natureza humana. Já os estudos de campo controlados são mais específicos em suas conclusões. Ainda assim, parece válido um esforço de extrapolar os resultados.

Esfera doméstica
Primeiro, o caso das crianças. Segundo a conclusão alcançada, sempre que o benefício de ganhar um bem supere o risco do não reconhecimento da sua importância, convém dar-lhes sem cobrar nada em troca.

Por exemplo, aprender inglês em uma idade tenra vai gerar um benefício enorme para o resto da vida do seu filho. Assim, mesmo que ele odeie e despreze a atividade, convém colocá-lo na aula de inglês sem cobrar nada em troca. Ademais, a solução para combater o desprezo seria informação sobre as vantagens e acompanhamento. Por outro lado, uma ida ao parque de diversões que não trará benefícios diretos pode ser uma boa oportunidade para pedir algo em troca para não diminuir seu valor devido à gratuidade. Quem sabe pedir que façam a tarefa de inglês?

Esfera política
A moradia e o acesso a um meio de sustento são reconhecidos como direitos universais dos seres humanos. Portanto, independente da possível desvalorização, parece justificável haver políticas públicas gratuitas ou subsidiadas que garantam ambos às pessoas que, por infortúnios, encontram-se cerceadas desses direitos.

No exemplo prático, a solução para o sucesso da reforma agrária não estaria em cobrar uma taxa simbólica dos assentados. Ainda assim, vender uma terra que lhe foi doada sob a condição de produzir nela, mesmo que a causa da venda NÃO tenha sido o fato de ter sido doada, continuaria sendo errado. Isto porque existem outras famílias que seguiriam as condições, mas que não receberam nenhuma terra. Para evitar isto a solução mais promissora seria prover assistência e acompanhamento que cobre o uso eficaz do benefício ganho. É claro que a estrutura de assistência e acompanhamento tem um custo, mas faz mais sentido cobrá-la de quem tem mais (outros contribuintes) do que dos recém-saídos da condição de sem-terra.

Já no caso daqueles fazendeiros que descumprem as leis por acharem que podem fazer o que quiser emcom sua propriedade, a solução estaria em encontrar uma pena que não pode ser paga por dinheiro. Quem sabe a pena não seria a desapropriação das terras?

As soluções mais adotadas atualmente na questão da distribuição de terras, no entanto, são contrárias às conclusões acima. Uma terra de assentamento vendida é retomada pelo estado, enquanto o fazendeiro pode ser multado por desobedecer à lei ao desmatar à revelia as terras que lhe pertencem.

Exemplo pessoal
Fiquei procurando exemplos pessoais que confirmassem um ou outro caso e achei dois bem próximos. Eu já cursei universidade particular e pública e, contrário ao princípio do pagar parar dar valor, encontrei mais pessoas que levaram a sério a formação na pública do que na particular. Porém, como aqui no Brasil os melhores alunos vão para as públicas, parece ser um caso de amostra enviesada no qual, pagando ou não, eles levariam mais a sério o curso que os outros.


Um caso oposto acontece nas aulas de grego antigo que eu ofereço de graça. Os alunos, em geral, começam muito empolgados, mas, com o tempo, a taxa de evasão é grande. Pode ser por incompetência do professor, mas o fato deles não trocarem de professor aliado à grande taxa de evasão também no curso oficial da faculdade de letras vai contra essa hipótese. Nesse caso minha hipótese tem algo a ver com o dinheiro, já que os alunos, se obrigados a escolher, sempre tendem a preferir fazer os deveres de um curso de outra língua pela qual pagam do que do grego. Não se pode dizer que a preferência é devido à maior utilidade de se aprender uma língua moderna, pois os alunos que estudam filosofia grega, o que faz do grego antigo muito útil. De qualquer forma estou pensando em introduzir alguma cobrança em termos de pontos ou atividades para ver se muda a situação.

Vieses cognitivos a serem evitados


O que é um viés cognitivo?
Um viés cognitivo é uma maneira sistemática (automática) que temos de pensar errado. Como eles estão introjetados no nosso modo de agir é bem difícil de evitá-los. Por isso é importante estar sempre atento à maneira como erramos a fim de, a cada vez, evitarmos o erro.

Uma boa analogia para entender é o da ilusão de ótica. Veja o exemplo abaixo:



Os retângulos do meio têm a mesma cor, mas, dependendo do entorno elas parecem ser diferentes. Mesmo depois de identificarmos que se trata de uma ilusão de ótica, continuamos 'vendo' cores diferentes. Com os vieses cognitivos é a mesma coisa, e o primeiro passo para superá-los é saber que eles existem. Como escreveu Chekhov "o ser humano vai melhorar se souber como ele na verdade é"

Lista de Vieses (em progresso e aleatória):

Viés do Status Quo: 
1) Você concorda que 10% do seu imposto de renda seja revertido em forma de doação a uma ONG séria? A resposta geralmente é afirmativa. 
2) Você concorda em doar 1% da sua renda a uma ONG séria. Aí já é mais difícil de concordar, e, ainda mais, de começar a fazer.

O problema pode estar no viés do status quo, que é a tendência inconsciente de preferir que as coisas fiquem como estão. Você já cresce acostumado a pagar imposto, mas para doar uma parte da sua renda é preciso mudar de concepção. Isso é difícil. O viés é explicável pois, na falta de informação, é mesmo mais seguro manter as coisas como estão (se elas não causam sofrimento). Por outro lado ele é problemático porque essa opção pela segurança acaba impedindo melhoramentos.


Um pouco de perspectiva histórica mostra o quanto é necessário superar o status quo. A escravidão, que hoje abominamos (ainda que não tenha sido totalmente extinta), por exemplo, durante grande parte da história da humanidade, e em várias culturas, foi aceita.


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Viés da confirmação:  
1) Algumas pessoas aproveitam as redes de prevenção ao mosquito da malária distribuídas gratuitamente para usar na pesca em vez de se proteger. 
2) A cobrança de uma taxa ínfima pelos mosquiteiros anti-malária reduz significantemente o seu uso

Se você tem a crença comum de que a gente não valoriza o que vem de graça provavelmente vê na primeira opção um confirmação de que sua opinião está correta. Com isso ignora a diferença entre as duas frases indicada por 'algumas' no primeiro caso e 'significativamente' no segundo. Isso pode ser um problema do viés da confirmação que é a tendência em processar apenas as informações que servem para confirmar nosso ponto de vista. 

As consequências são graves. Pesquisas provam que cobrar por essas redes reduziram seu uso em 60%. Ainda mais no caso da malária, no qual quem não usa a rede prejudica não apenas a si, mas a todos vizinhos, já que o contaminado picado por outros mosquitos acaba virando uma fonte da doença. 


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Heurística da disponibilidade: 
1) Tente se lembrar de três cidades atingidas por atentados terroristas. Fácil, né? 
2) Agora tente nomear três países da região do Sahel que sofrem com a maior crise de comida da atualidade. Mais difícil, né? 

A heurística da disponibilidade é a ilusão de achar que a informação que a gente tem disponível é mais relevante. O número de mortes dos atentados terroristas que fazem tanto escarcéu na imprensa são pouco significativos se comparados com as 18 milhões de pessoas afetadas pela crise de comida no Sahel.

Relacionada a esta heurística está a cascata da disponibilidade, que é a estratégia de repetir uma coisa tanto até ela 'virar' verdade. Por isso o terrorismo é visto como um dos problemas mais sérios hoje no ocidente. Postando aqui sobre temas humanitários até ficar chato a gente tenta balancear a cascata.

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Distância psicológica: 
1) Você é contra o trabalho escravo? Claro!
2) Você sabe que as roupas que usa, os computadores que tem e alguns alimentos que come envolvem, em algum ponto da cadeia, trabalho escravo ou semi-escravo.  Porém,  por que a gente não sente culpa de usar estas coisas? 

Isto é assim porque há uma distância psicológica que quebra a causalidade entre as duas situações. É o viés traduzido no dito popular: 'o que os olhos não vêem o coração não sente'. É por isso que a gente se sente na obrigação de ajudar uma criança em risco de vida na nossa frente, mas não vê problema nenhum em deixar milhões morrerem a uma certa distância

É difícil suprimir a distância psicológica pela emoção, o que está longe sempre vai emocionar menos. É fácil ver sua utilidade, pois, se a quantidade de pobreza no mundo nos afetasse psicologicamente o baque seria tão forte que mal conseguiríamos viver. Porém, isso não é motivo para aceitar a distância psicológica. Através de alguma consideração racional, a gente é capaz de superá-la sem se deprimir e agir de acordo com o que acreditamos, ou seja, que devemos tentar salvar o máximo de pessoas em risco de vida.

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Viés de Agostinho: 
Nas suas confissões Agostinho narra a passagem da adolescência em que ele pede: 'Deus, me dê castidade, mas não agora!'. 


É bem comum essa tendência de transferirmos os encargos presentes para o nosso eu futuro, dando assim tranquilidade ao nosso eu presente – o que vai contra as nossas convicções de consciência (quase) tranquila. É por isso que a gente sempre programa o início da dieta para 'a próxima segunda-feira' para poder comer aquele doce 'agora'. 

As desculpas 'racionalizadas' (ou confabuladas) vão no sentido de que a nossa situação ainda não é estável o bastante, é melhor economizar, existem filhos e, etc... Mas contra isso existem 2 objeções: 


2) Além disso, se não começarmos em alguma altura corremos o risco de nunca começarmos. O Peter Singer mesmo aconselha que se você é adolescente e ainda não tem renda, que assuma o compromisso de doação mensal mesmo assim e à medida que sua renda for aumentando o mesmo acontecerá com sua doação.



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Comportamento de bando: 
Animais sociais tendem a agir em conjunto. Uma teoria que explica isso do ponto de vista do indivíduo tem duas regras simples: a) imitar seus vizinhos b) tentar ir o mais próximo do centro (local mais protegido). Estas duas regras bastam para sincronizar o voo de um bando de pássaros de maneira tão coesa que nos parece coreografado.

Nós somos animais sociais e o comportamento de bando guia muita
s das nossas decisões. Pare para notar o quanto você se parece com seus amigos mais próximos no modo de agir, vestir e nas preferências. 

Apesar de esforços individualistas não há como (e talvez nem porque) abandonar este viés. Porém, uma vez identificado, é possível 1) corrigi-lo e 2) usá-lo em nosso favor, com consciência. O Altruísta Eficaz tenta fazer isso em dois níveis:

1) Ajudar os que precisam é um truísmo consensual em nossa sociedade, portanto só é preciso lembrar os outros dessa opção.
2) Apesar de aceito, o truísmo da ajuda não é um costume para a maioria. Por isso, acaba se gerando um comportamento de bando em que todos aceitam a necessidade da ajuda, mas ninguém ajuda.
Um paradoxo tem o poder de mudar o comportamento. Ao notá-lo e aceitarmos a mudança de comportamento estamos contribuindo para que outros ao nosso redor façam o mesmo.

1') Por outro lado, por estar arraigado, o truísmo da ajuda acaba levando a aceitar qualquer tipo como se tivesse igual valor. Como vemos ao analisar mais de perto os resultados das intervenções, a coisa não é assim.
2') Por isso outra proposta é de ser criterioso no julgamento e distinção de ajudas para melhorar o resultado. Ao fazermos isso ajudaremos os nossos vizinhos a fazerem o mesmo
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Exemplo:  Recuperar a visão de alguém através da operação de tracoma custa 25 dólares. Treinar um cão guia para cegos custa 42.000 dólares. Com a mesma quantia, você melhora a vida de 1 ou 1.344 pessoas.



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Ilusão de intervenção:
Temos a ilusão de que quando intervimos, os resultados são melhores. A existência desse viés faz sentido, pois é ele que nos 'convence' a tomar uma atitude. Por outro lado, é preciso tomar cuidado, pois esta ilusão pode aumentar as chances de fracasso. Por exemplo:

1) 
Outro caso é da criança perdida que, em vez de ficar num lugar para ser achada, prefere sair procurando alguém, aumentando assim o risco de não ser achada.
2) Um caso é dos goleiros nos pênaltis. Eles preferem escolher um canto para pular, mesmo que as maiores chances de defesa estejam em ficar no meio.

No caso da ajuda o risco do viés da intervenção é pensar mais em quem ajuda do que em quem é ajudado:
1') Costurar um tapete pra ser vendido num bazar de ajuda a uma instituição de caridade traz uma sensação de dever cumprido, mas é muito menos efetivo que uma doação impessoal.
2') Mesmo após a escolha de uma doação impessoal a preferência tende a ser por programas que intervém de maneira mais agressiva ou
criativa, mas isso também não significa ter melhores resultados. Por exemplo, intervenções de introdução ao empreendedorismo agrícola em África se provaram muito menos efetivas que a simples transferência incondicional de dinheiro para pequenos produtores.

Enfim, convém sempre verificar os resultados da intervenção (ainda mais quando a intervenção nos soar totalmente plausível de antemão)


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Efeito culatra: 
Estudos provam que quando se mostram dados que negam a nossa opinião, em vez de aceitarmos, a gente tende é a reforçar nossa negação.

Por exemplo, quem é contra o bolsa-família e vê um estudo que comprova seus impactos positivos, tende a ir ainda mais contra o programa e os dados apresentados. Uma das estratégias para negar os dados é apelar para 'direitos inalienáveis'. Eu tenho que abrir mão do dinheiro que ganhei por mérito próprio para sustentar vagabundos? O que fazer diante disso?

1) Em relação aos outros. Em vez de mostrar os dados que negam a sua posição, pesquisas indicam que mais eficaz para fazer alguém mudar de opinião é pedir que ele explique sua opção até ver que nunca pensara bem sobre o que está defendendo. Quanto seria o dinheiro de que você vai abrir mão? Essa é uma quantia que vai te fazer tanta falta? E o mérito próprio, não teve ajuda da família, da educação da estrutura de transporte, leis e comércio do país?

2) Em relação a nós mesmos, é preciso sempre se policiar diante dos dados que recebemos. Sempre que um artigo contrariar a nossa opinião, convém parar, reler e avaliar as coisas como se a gente não tivesse opinião. Só depois disso é que convém a gente formar (e não reforçar) uma opinião própria. Este artigo defende o bolsa-família, mas ele apresenta dados convincentes ou só anedotas que confirmam minha opinião? Se não há dados, onde posso encontrá-los? Veja análises de programas similares. E sempre procure ver o que dizem os críticos sérios da sua opinião.


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Viés da força direta (ou mão na massa)
A gente tende a super valorizar ações que fazemos com contato direto, para o bem e para o mal. Por exemplo, no caso de um bondinho desgovernado que vai matar 5 pessoas, a maioria das pessoas acha errado empurrar uma pessoa (causando sua morte) para parar o trem (e salvar os outros 5). Ao mesmo tempo, a maioria acha correto puxar uma alavanca que desvie o bonde para um trilho que atingirá outra pessoa (também matando 1 e salvando 5).

Esta diferença, psicologicamente, é válida, mas moralmente não. Por exemplo, imagine matar uma pessoa cortando a sua garganta ou pagar alguém para realizar esse serviço. Os dois atos são condenáveis, mas a perspectiva de ter que fazer com as próprias mãos mexe muito mais com as nossas emoções. Não se tratam apenas de hipóteses absurdas, essa diferença opera na relação que temos com os animais, usando uns para estimação e outros como alimento (matados por outras pessoas).

No caso da ajuda humanitária o mesmo viés, mas em efeito contrário, pode acontecer. Ao simplesmente dar dinheiro para uma ONG eficaz podemos realizar um bem enorme. Por outro lado, ao realizar uma ação com pouco efeito, mas na qual participamos ativamente, como ler um romance para um paciente em coma, nos sentiremos muito mais recompensados. É disso que se aproveitam os projetos de turismo de caridade no qual turistas inábeis realizam um serviço caro e longe do ideal para voltarem com uma história inspiradora para casa.


A dica, então, é desconsiderar o contato como critério de valorização de uma ação. Melhor é pensar nos resultados (compare com o viés da intervenção acima).