Presentes, deontologismo e consequencialismo







Atualmente duas das mais populares escolas de pensamento ético que podem ser colocadas como opostas são o deontologismo e o consequencialismo. Para o deontologismo (de δει que em grego quer dizer 'ser necessário') o que conta para se julgar uma ação como moral é a motivação do agente. Já um consequencialista se importa simplesmente com os resultados produzidos por essa ação. Nesse quadro, uma mentira que tem boas consequências é condenável para um deontologista e aceitável para um consequencialista. Bentham, o consequencialista mais célebre, construiu sua posição em oposição ao deontologista Kant.

Mesmo assim, como a maioria das dicotomias, esta aponta para dois traços que, apesar de contraditórios, coexistem no comportamento da maioria dos seres humanos. Isso quer dizer que, sem um autoexame ético, algumas vezes agimos como consequencialistas e outras vezes como deontologistas. O padrão de educação, por exemplo, é ensinar aos filhos que é sempre errado mentir. Por outro lado, ensina-se também a dizer terem gostado de um presente mesmo quando não gostaram, apenas para agradar aos outros. A contradição que passa desapercebida pela infância encarna um debate entre consequencialismo e deontologismo. No pensamento ético atual há um esforço de tentar conciliar os dois sem se contradizer (o que não é nada simples). Parfit, por exemplo, acha que ambas escolas estão escalando uma mesma montanha por lados diferentes.

Mesmo depois de crescermos a ocasião de um presente segue nos colocando diante de intuições contraditórias. Há quem escolha um presente que ele próprio gosta para dar aos outros. Esta escolha se justifica na medida que quem dá se oferece ao presenteado. Por outro lado, há também quem prefira se anular ao escolher um presente pensando somente em quem vai receber. Isto também é justificável já que aumenta as chances de agradar ao outro. Do lado do presenteado o deontologismo aparece no dito 'o que vale é a intenção' enquanto o consequencialismo se apresenta no 'era exatamente o que eu precisava'. Por não se tratar de uma dicotomia extrema, uma vez que temos para nós bem esclarecidas as diferenças das duas posições, parece possível se esforçar para contemplar os aspectos importantes de cada uma. Desta maneira podemos achar um presente que nos represente e ainda assim agrade ao presenteado. Mas será que há espaço para uma atitude semelhantemente coadunada no âmbito da ética?

Uma vez aceito o argumento para a doação como uma obrigação moral é preciso pensar em o que e como doar. Uma postura é pensar apenas nas consequências e escolher simplesmente o que gera o melhor resultado. O problema desta postura é o risco de apoiar uma ação de cima para baixo que gere resultados positivos, mas também efeitos colaterais. Um exemplo é o uso de DDT para conter a malária. Por outro lado, pode se pensar apenas na motivação e apoiar uma causa nobre mesmo que seus resultados sejam parcos ou mesmo negativos. Por exemplo, programas de reforço educacional após o horário da aula que na verdade pioram o comportamento dos participantes em sala sem elevar seu nível de conhecimento. De alguma forma, então, a escolha por um tipo de doação deve contemplar tanto as motivações quanto as consequências das ações. A prioridade, parece sim ser consequencialista, em vista de que o que importa aqui, muito mais que no caso de um presente, é o resultado da ação. Mesmo assim, além dos resultados, é necessário também manter uma constante avaliação externa que considere os princípios das ações.

Dito isso, se alguém preocupado com os princípios e as consequências quiser uma maneira de ajudar a conter a malária que não seja invasiva como o DDT é só ir ao site da AGAINST MALARIA FOUNDATION.
Já para quem quiser aumentar a frequência de alunos na sala de aula pode apoiar o DEWORMTHE WORLD.

O que eu aprendi aprendendo










Introdução: Este post é só uma série de dicas que podem ajudar a aprender qualquer coisa. Como a minha experiência foi moldada mais no estudo de línguas eu vou usar exemplos deste âmbito. Porém, como prova da generalização, também vou relacionar algumas dicas a atividade que estou aprendendo atualmente, o skate (entre outros esportes). Apesar disto não estar diretamente relacionado ao altruísmo acredito que, por ajudar na eficácia, não está tão fora do assunto assim.

Dica 1: Use suas particularidades como vantagens, não limitações: O ponto é simples. Muitas vezes o que a gente acha que é um problema faz parte da solução. O caso do português é um exemplo. Sua desvantagem é que não é uma língua importante para o mercado internacional como o inglês ou o espanhol. Esta falta de importância impele a aprender mais línguas, o que é bom e, ademais, para um falante do português é muito mais fácil aprender inglês e espanhol do que para um falante do inglês aprender espanhol ou um falante do espanhol aprender inglês. Isso é uma vantagem.

Dica 2: Não existe este tal de primeiro passo: Comece agora! Esta dica questiona o truísmo de que o primeiro passo é o mais difícil. Na verdade não há primeiro passo porque sempre que começamos a aprender alguma coisa recorremos a outros âmbitos próximos que nos ajudam na empresa. Quer aprender inglês? Saiba que 60% dessa língua é composta de palavras de raiz latina. Isso facilita muito a aquisição de vocabulário. O caso do verbo deletar é um exemplo interessante. O verbo é latino deletare que não passou para o português (língua latina), mas acabou voltando através do inglês via vocabulário de novas tecnologias. Quer andar de skate? Você vai ver como o equilíbrio do seu corpo vai te fornecer respostas intuitivas para os problemas que se apresentarão.

Dica 3: Aprenda a usar o que você já tem: Usar o que já temos é uma vantagem, mas pode ter efeito negativo. No caso da linguagem este comportamento gera o que é chamado de embromation. Quem faz esta crítica esquece que na maioria dos casos a embromação dá certo sim. O importante é desenvolver meios de se identificar quando o conhecimento prévio deve ser usado. No caso das línguas latinas, se duas usam a mesma raiz para um termo crescem as chances de uma terceira também o fazê-lo. O verbo estudar do português é o mesmo do Francês Etudiér. Daí fica mais seguro de inferir que em italiano será studare. É como um jogador de futebol de salão que deve levar os dribles curtos quando joga no campo mas deve saber quando usar passes longos também.

Dica 4: Aposte no inconsciente mas saiba que se trata apenas de uma boa aposta: Muitas vezes, em hora de dúvida convém confiar nas intuições. No caso das línguas, por exemplo, muitas vezes palavras surgem na nossa boca sem que sequer nos lembrássemos da sua existência. Isso é porque o nosso cérebro tem um sistema que funciona no automático. Depois que a gente introjeta um comportamento ele vem como uma resposta sem precisarmos que estejamos consciente disso. Porém, é sempre bom prestar atenção nas nossas ações, pois a gente pode sim introjetar comportamentos errados que soarão como certos. Em alemão há até um verbo para isso, klingen, que quer dizer 'soar bem'. Na dúvida aposte no que soa melhor (mas depois confira para ver se está certo).

Dica 5: Não há passos: A gente gosta de ver o aprendizado como um caminho, uma escalada, mas a verdade é muito mais caótica. Às vezes ao avançar sem ter aprendido o que é considerado mais básico ajuda no desenvolvimento. Um exemplo do alemão. Normalmente se aprende os verbos modais antes dos subjuntivos, mas mesmo essa separação não é clara. Mögen (gostar) e möchten (gostaria) são ensinados com dois verbos modais diferentes. Eu só fui entender direito quanto cheguei no subjuntivo e vi que se tratava do mesmo verbo. No Skate também eu só fui aprender a dar a manobra varial (uma das mais fáceis) depois que eu tinha aprendido o pop shove it.

Dica 6: Nada traz mais inovação que a rotina: O senso comum de uma vida boa atualmente despreza a rotina como algo chato e sem graça. O problema disso é que assim se ignora uma necessidade. Não há inovação sem prática. A estimativa é que 100.000 repetições fazem o especialista. O número é ilustrativo, mas o importante é saber que sem comprometimento não haverá aprendizado nem prazer. Se você não se dedica a uma língua, nunca vai entender sua beleza. É como ler um poema catando cada palavra no dicionário, o sentido vem mas não funciona. É como pular de paraquedas atrelado a um instrutor depois de um curso de 15 minutos. Não faz sentido. É preciso se comprometer, repetir, aprender e aí sim viver a experiência. Viva a rotina.

Dica 7: crie motivações ainda que ilusórias: É importante criar uma narrativa que te motive a alcançar o fim do aprendizado. Cada um tem que usar o que funciona com ele. Um pode aprender russo em vista da possibilidade de ler Dostoievsky no original enquanto outro pensa na bela russa com quem vai conversar pela internet. Ao treinar Skate, por exemplo, dá pra pensar que se está em um campeonato. É só construir uma narrativa mental que te convença a fazer o que você tem que fazer. Isso funciona também para te ajudar a não abandonar o 'torneio' antes de conseguir realizar aquela manobra. É aquele 'só mais uma vez' que se repete ao infinito.

Dica 8: Nada dura para sempre, nada se perde: Não se trata um paradoxo, mas sim uma posição moderada. Primeiro você tem que saber que se parar de praticar vai perder. É fato. Para de estudar uma língua diariamente e sua habilidade vai diminuir. Por isto o resultado de testes de avaliação tem validade. Por outro lado, não é que você vai perder tudo e que todo esforço anterior foi em vão. Se você decidir reativar a rotina de estudos a re-assimilação do conteúdo vai ser muito mais rápida. Ademais, será uma boa oportunidade para melhorar o que já havia aprendido. Não se aprende a mesma coisa do mesmo jeito. Pra melhor ou pra pior, a segunda vez é diferente. Isso a gente percebe claramente quando vai re-aprender um conteúdo para dar uma aula, por exemplo.


Dica 9: Fique sempre alerta durante tarefas infinitas: Aprender, qualquer coisa, é uma tarefa infinita. Sempre há algo mais para dominar, se não há é porque você parou de considerar a questão seriamente. Por isso, uma dica é ficar sempre alerta. Oportunidades de aprendizado aparecem todo dia por toda parte. O exemplo mais banal é o aprendizado de uma nova palavra que pode se aparecer num livro, propaganda ou diálogo. Mais interessantes são os cruzamentos interdisciplinares. O drible de futebol pode te inspirar a fazer uma manobra de skate. Uma ideia pensada depois de um filme pode resolver um problema do seu trabalho. O importante é estar alerta para tirar proveito destas oportunidades.

ps: se você é introvertido ache um lugar reservado pra aprender, mas também se force a praticar em grupo.