Introdução
A divisão
do dia em três intervalos de 8 horas é arbitrária. Sua motivação
é apenas a de dividir 24 horas em três partes iguais. Desta
divisão, mais do que de qualquer evidência, surgem padrões
comportamentais como a jornada de 8 horas de trabalho e a necessidade
de dormir 8 horas por dia. No ideal original as outras 8 horas seriam
dedicadas ao lazer. Em vista das jornadas absurdas de trabalho de 16
horas diárias em 1817 as motivações dessa proposta de divisão
feita por Robert Owen são justificadas. Mas só porque ela é
responsável por um importante ganho no direito dos trabalhadores não
quer dizer que está correta.
Em tempos
pré-revolução industrial sociedades de catadores-coletores tinham
jornadas de 3 a 4 horas diárias de trabalho esparsados ao longo do
dia. Também sua postura em relação ao sono era diferente. Mais
comum era dormir durante a noite em dois ou três períodos divididos
por intervalos de semi-vigília. Apesar disso, não só porque um
comportamento foi o mais comum durante a maior parte da história da
humanidade é necessário que seja o melhor para nós. Atualmente
pesquisas confirmam que nossa capacidade de atenção dura períodos
curtos de tempo (90 mins) e que pequenos intervalos de descanso (20
mins) aumentam a capacidade de foco e produtividades. Assim, além da
quantidade, também a divisão em três blocos imensos e contínuos
de trabalho, descanso e lazer não parecem ser o ideal para se
aproveitar nossa natureza humana.
Estado da
questão
Hoje em dia
cresce o debate acerca da redução da jornada de trabalho. Na maior
parte as justificativas por essa redução respondem a crítica de
Marx. Segundo ele exigir muito da força de trabalho acaba matando
essa força. Neste espírito, buscam-se experiências
que mostrem como uma jornada mais condensada é melhor para
trabalhadores e empresas pois aumentam a produtividade. O exemplo
clássico é o da Ford, pioneira na redução da jornada de trabalho
para 8 horas que, aliado ao aumento de 100% nos salários dos
trabalhadores, dobrou seus lucros. Hoje em dia, as famosas jornadas
flexíveis da Google tentam repetir este pioneirismo atacando não só
a quantidade mas a distribuição do período de trabalho.
Além disso,
outra motivação comum para redução da carga horária é política.
Seus defensores argumentam que uma dupla jornada mais curta aparece
como candidata a amenizar a crise de emprego no mundo desenvolvido.
Mas talvez haja ainda outro motivo para a redução da jornada de
trabalho, o comportamento moral.
Uma nova
hipótese
Pesquisas
comportamentais revelam que o cérebro age como um músculo. A
analogia quer dizer que ele precisa ser exercitado para atuar, mas
que, cansado após muito exercício, fica mais propenso a falhar. O
autocontrole segue o estado do cérebro. Após um dia extenuante de
trabalho é muito mais difícil resistir a uma sobremesa do que logo
pela manhã. É neste ponto que a moral entra na história. Fazer uma
escolha moral muitas vezes implica em autocontrole já que é preciso
deixar de buscar um prazer próprio e imediato para se alcançar o
bem-estar comunitário no futuro. Uma hipótese seria que pessoas
mais descansadas estariam mais aptas a agirem moralmente.
Adotar esta
hipótese como motivo para a redução da jornada de trabalho não é
tão absurdo quanto parece. Assim como um motorista extenuado é um
perigo para o trânsito, um trabalhador extenuado pode ser visto como
um perigo para a comunidade. As chances de uma reação violenta, por
exemplo, aumentam quando o autocontrole diminui. Tem que ser
verificado, mas parece plausível supor que jornadas estafantes
tenham algum efeito, por exemplo, a casos de violência doméstica. Neste
quadro, um trabalhador que trabalha menos e em períodos esparsos
alternados com descanso e lazer encontraria mais energia, não só
para produzir, mas para gerir melhor sua vida social.
No
altruísmo eficaz
Resta agora
pensar a questão em relação ao altruísmo. Quem parar para
analisar vai ver que a maioria dos nossos gastos é supérfluo.
Portanto, é uma questão de autocontrole que vai determinar o quanto
e o que gastamos a maioria do nosso ordenado. O movimento do
Altruísmo eficaz defende que é moralmente correto abrir mão (pelo
menos) dos gastos muito supérfluos, para ajudar quem vive abaixo da
linha de pobreza. Um mosquiteiro anti-malária, por exemplo, custa 6
reais. 207 milhões de pessoas que não têm como pagar pela proteção
contraem a doença por ano. Nesse quadro, resistir a uma sobremesa
pode salvar uma vida. A defesa do autocontrole pode, inclusive, ir
além, uma vez que na maioria dos casos o nosso consumo supérfluo
tem resultados negativos a longo prazo. A gente sabe, por exemplo,
que o excesso de açúcar na sobremesa fará mal para nossa saúde no
futuro. Ou seja, apesar de termos motivos egoístas e altruístas para nos
abstermos deste tipo de consumo, ainda assim não o fazemos. A solução não é
simples e nunca será total. De qualquer maneira, se um dos motivos deste
comportamento disparatado é o cansaço, a mudança da quantidade e distribuição da jornada de trabalho geraria alguma melhora.
Uma sociedade menos cansada pode ser mais um pequeno passo para uma
sociedade mais justa.
Quem ainda
tiver energias pode ir ao site da Against Malaria Foundation e comprar alguns mosquiteiros.
Exemplo pessoal
Este artigo foi motivado por um caso particular. Eu estava andando de skate em uma pista perto da praia de Cabo Frio. Tinha andado toda a manhã, estava cansado, quando um grupo de três pessoas à caminho da praia resolve cortar caminho pelo meio da pista de skate. Eu resolvi não esperá-los pra fazer minha manobra. Caí e meu skate foi na direção deles, atrapalhando seu atalho. No primeiro momento fiquei feliz de ter 'mostrado' que eles deveriam dar a volta e passar no caminho por fora da pista. Depois, no entanto, refleti e me arrependi. O resultado deste exame de consciência foi esta postagem.
Este artigo foi motivado por um caso particular. Eu estava andando de skate em uma pista perto da praia de Cabo Frio. Tinha andado toda a manhã, estava cansado, quando um grupo de três pessoas à caminho da praia resolve cortar caminho pelo meio da pista de skate. Eu resolvi não esperá-los pra fazer minha manobra. Caí e meu skate foi na direção deles, atrapalhando seu atalho. No primeiro momento fiquei feliz de ter 'mostrado' que eles deveriam dar a volta e passar no caminho por fora da pista. Depois, no entanto, refleti e me arrependi. O resultado deste exame de consciência foi esta postagem.
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